30 de janeiro de 2014

Memorias de Fabio Mozart !


CARNAVAL DE ITABAIANA – “Eu me lembro, e essa é uma das minhas primeiras lembranças, do carnaval de 1939 que assisti em plongé, do alto dos ombros do primo Jonjoca. Entre pavor e excitação, vi os primeiros mascarados, palhaços, um famoso folião que se fantasiava de urso, tudo recendendo a lança-perfume. O carnaval de Itabaiana, dizia-se, rivalizava com o do Recife. Do Alto dos Currais, vi o bloco do Zé Pereira saindo na boca da noite, o volumoso séquito de foliões portando balões coloridos e iluminados. No futuro, eu haveria de exteriorizar essa forte impressão através de um guache que pintei e guardo comigo”.
FEIRA DE ITABAIANA – “Na feira de Itabaiana, chamava minha atenção o simulacro em miniatura de uma casa de farinha, que era exibida dentro de uma grande caixa, através de pequenos visores. À medida que o operador girava uma manivela, víamos os bonecos reproduzirem em detalhes a atividade do cevador, o abastecimento do forno etc. Era uma espécie de realejo visual, ou arte cinética matuta.”
BUMBA-MEU-BOI NA BAHIA – “Na boemia fajuta de jovem sem dinheiro, eu perambulava pela Canela, o Campo Grande, a Vitória, a Baixa do Sapateiro, o Taboão. Conheci Gilberto Gil estudando Administração de Empresas e cantando nos bares da orla. Frequentei as festinhas na casa de Gracinha (Gal Costa), os shows de Tom Zé e Caetano na boate O’Clock, as atividades do CPC baiano, para o qual fui convocado por Geraldo Sarno para assisti-lo na área de cinema. Numa das ações do CPC, Tom Zé conduziu um bumba-meu-boi alegórico pela Avenida Sete, até a Praça da Sé, contando a história da exploração do povo brasileiro.”
O MAÇOM – “Como se não bastasse tanto ecletismo, meu pai ainda aceitou um convite para entrar para a Maçonaria. Na sequência, com cerca de 12 anos, fui iniciado como lowton numa cerimônia belíssima, em que desfilei sob o túnel de espadas erguidas e tomei ritualisticamente o vinho, o pão, o mel e o sal.”
“Depois da morte do meu pai, determinado a ajudar no sustento da família, vali-me da solidariedade maçom para conseguir um emprego de vendedor de estampas de santos a domicílio. Foi quando desencantei-me com a Maçonaria, pois o velho não pretendia me ajudar, mas simplesmente ser meu patrão.”
IDEOLOGIA – “Não posso negar que esse período de estudos e atividades, com o aprofundamento contínuo dos conceitos disseminados pelo Partido, teve uma enorme importância na minha formação. Na minha e na de muita gente neste país. Descontados alguns sectarismos e equívocos, a escola do Partido – como era chamada no jargão próprio – estruturou-me moralmente para a vida. A insistência na esperança é um dos traços que dela herdei. Por isso é que, entre Beckett e Brecht, fico com Brecht. O homem tem saída, sim.”
MEMÓRIA FERROVIÁRIA DE ITABAIANA – “No Triângulo, um muro de frágeis tijolos aparentes separava nossa casa de uma vila de moradias mais humildes, numa das quais morava a família do maquinista Chico Félix, a quem minha mãe costumava presentear com cestas de gêneros alimentícios. Eu me aproximei de Erasmo, o filho do maquinista.”“O trem sempre foi um elemento marcante na paisagem da minha memória. Não exatamente esses trenzinhos quase de brinquedo, mas os dragões metálicos e baforentos que faziam o transporte de gado e gente na ferrovia então arrendada à Great Western Railway do Brasil.

Itabaiana ficava a meio caminho entre Campina Grande, João Pessoa e Recife. Na minha época de garoto, a cidade era margeada, de um lado, pelo rio Paraíba, e de outro lado pela grande ferrovia. As boiadas trazidas das regiões próximas e do alto sertão embarcavam nesse trem rumo aos matadouros. À margem da estação ficava o curral ´para facilitar o embarque. Nosso bairro era chamado Triângulo, em virtude de uma importante bifurcação ferroviária. As casas da famílias, separadas por quintais, formavam uma espécie de vila à margem da estrada de ferro.

O trem pontuava o cotidiano da cidade. Havia a hora de passar o Bacurau ou o Subúrbio, conforme os apelidos de cada comboio. Maquinistas silvavam apitos característicos ao cruzar seus bairros, notificando os familiares e amigos de sua passagem. Quem precisasse acordar muito cedo guiava-se pelo resfolegar do trem das madrugada, em sua lenta subida de um aclive à saída de Itabaiana.
Os trilhos cortavam a cidade e assumiam relevo na sociologia local. Em certo ponto, a ferrovia separava os bairros familiares da chamada Mandchúria, a zona do meretrício. Assim, quando um jovem era iniciado nas aventuras da Rua do Carretel, dizia-se que o sujeito atravessou a linha do trem.

Fonte - Toca do Leão !

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