Memorias de Fabio Mozart !

CARNAVAL DE
ITABAIANA – “Eu me lembro, e essa é uma das minhas primeiras lembranças, do
carnaval de 1939 que assisti em plongé, do
alto dos ombros do primo Jonjoca. Entre pavor e excitação, vi os primeiros mascarados,
palhaços, um famoso folião que se fantasiava de urso, tudo recendendo a
lança-perfume. O carnaval de Itabaiana, dizia-se, rivalizava com o do Recife.
Do Alto dos Currais, vi o bloco do Zé Pereira saindo na boca da noite, o
volumoso séquito de foliões portando balões coloridos e iluminados. No futuro,
eu haveria de exteriorizar essa forte impressão através de um guache que pintei
e guardo comigo”.
FEIRA DE
ITABAIANA – “Na feira de Itabaiana, chamava minha atenção o simulacro em
miniatura de uma casa de farinha, que era exibida dentro de uma grande caixa,
através de pequenos visores. À medida que o operador girava uma manivela, víamos
os bonecos reproduzirem em detalhes a atividade do cevador, o abastecimento do
forno etc. Era uma espécie de realejo visual, ou arte cinética matuta.”
BUMBA-MEU-BOI
NA BAHIA – “Na boemia fajuta de jovem sem dinheiro, eu perambulava pela Canela,
o Campo Grande, a Vitória, a Baixa do Sapateiro, o Taboão. Conheci Gilberto Gil
estudando Administração de Empresas e cantando nos bares da orla. Frequentei as
festinhas na casa de Gracinha (Gal Costa), os shows de Tom Zé e Caetano na
boate O’Clock, as atividades do CPC baiano, para o qual fui convocado por
Geraldo Sarno para assisti-lo na área de cinema. Numa das ações do CPC, Tom Zé
conduziu um bumba-meu-boi alegórico pela Avenida Sete, até a Praça da Sé,
contando a história da exploração do povo brasileiro.”
O MAÇOM – “Como
se não bastasse tanto ecletismo, meu pai ainda aceitou um convite para entrar
para a Maçonaria. Na sequência, com cerca de 12 anos, fui iniciado como lowton numa cerimônia belíssima, em que
desfilei sob o túnel de espadas erguidas e tomei ritualisticamente o vinho, o
pão, o mel e o sal.”
“Depois da
morte do meu pai, determinado a ajudar no sustento da família, vali-me da
solidariedade maçom para conseguir um emprego de vendedor de estampas de santos
a domicílio. Foi quando desencantei-me com a Maçonaria, pois o velho não
pretendia me ajudar, mas simplesmente ser meu patrão.”
IDEOLOGIA – “Não
posso negar que esse período de estudos e atividades, com o aprofundamento
contínuo dos conceitos disseminados pelo Partido, teve uma enorme importância
na minha formação. Na minha e na de muita gente neste país. Descontados alguns
sectarismos e equívocos, a escola do
Partido – como era chamada no jargão próprio – estruturou-me moralmente
para a vida. A insistência na esperança é um dos traços que dela herdei. Por
isso é que, entre Beckett e Brecht, fico com Brecht. O homem tem saída, sim.”
MEMÓRIA FERROVIÁRIA
DE ITABAIANA – “No Triângulo, um muro de frágeis tijolos aparentes separava
nossa casa de uma vila de moradias mais humildes, numa das quais morava a
família do maquinista Chico Félix, a quem minha mãe costumava presentear com
cestas de gêneros alimentícios. Eu me aproximei de Erasmo, o filho do
maquinista.”“O trem sempre
foi um elemento marcante na paisagem da minha memória. Não exatamente esses
trenzinhos quase de brinquedo, mas os dragões metálicos e baforentos que faziam
o transporte de gado e gente na ferrovia então arrendada à Great Western
Railway do Brasil.
Itabaiana
ficava a meio caminho entre Campina Grande, João Pessoa e Recife. Na minha
época de garoto, a cidade era margeada, de um lado, pelo rio Paraíba, e de
outro lado pela grande ferrovia. As boiadas trazidas das regiões próximas e do
alto sertão embarcavam nesse trem rumo aos matadouros. À margem da estação
ficava o curral ´para facilitar o embarque. Nosso bairro era chamado Triângulo,
em virtude de uma importante bifurcação ferroviária. As casas da famílias,
separadas por quintais, formavam uma espécie de vila à margem da estrada de
ferro.
O trem
pontuava o cotidiano da cidade. Havia a hora de passar o Bacurau ou o Subúrbio, conforme
os apelidos de cada comboio. Maquinistas silvavam apitos característicos ao
cruzar seus bairros, notificando os familiares e amigos de sua passagem. Quem
precisasse acordar muito cedo guiava-se pelo resfolegar do trem das madrugada,
em sua lenta subida de um aclive à saída de Itabaiana.
Os trilhos
cortavam a cidade e assumiam relevo na sociologia local. Em certo ponto, a
ferrovia separava os bairros familiares da
chamada Mandchúria, a zona do
meretrício. Assim, quando um jovem era iniciado nas aventuras da Rua do
Carretel, dizia-se que o sujeito atravessou
a linha do trem.”
Fonte - Toca do Leão !
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