Poesias de Zé da Luz
As Flô de
Puxinanã
(Paródia de As "Flô de Gerematáia" de Napoleão
Menezes)
Três muié ou três irmã,
três cachôrra da mulesta,
eu vi
num dia de festa,
no lugar Puxinanã.
A mais véia, a mais
ribusta
era mermo uma tentação!
mimosa flô do sertão
que o povo chamava
Ogusta.
A segunda, a Guléimina,
tinha uns ói qui ô!
mardição!
Matava quarqué critão
os oiá déssa minina.
Os ói dela
paricia
duas istrêla tremendo,
se apagando e se acendendo
em noite de
ventania.
A tercêra, era Maroca.
Cum um cóipo muito má feito.
Mas
porém, tinha nos peito
dois cuscús de mandioca.
Dois cuscús, qui, prú
capricho,
quando ela passou pru eu,
minhas venta se acendeu
cum o chêro
vindo dos bicho.
Eu inté, me atrapaiava,
sem sabê das três irmã
qui
ei vi im Puxinanã,
qual era a qui mi agradava.
Inscuiendo a minha
cruz
prá sair desse imbaraço,
desejei, morrê nos braços,
da dona dos
dois cuscús!
Ai! Se
Sêsse!
Se um dia nós se gostasse;
Se um dia nós se
queresse;
Se nós dos se impariásse,
Se juntinho nós dois vivesse!
Se
juntinho nós dois morasse
Se juntinho nós dois drumisse;
Se juntinho nós
dois morresse!
Se pro céu nós assubisse?
Mas porém, se acontecesse
qui
São Pêdo não abrisse
as portas do céu e fosse,
te dizê quarqué
toulíce?
E se eu me arriminasse
e tu cum insistisse,
prá qui eu me
arrezorvesse
e a minha faca puxasse,
e o buxo do céu furasse?...
Tarvez
qui nós dois ficasse
tarvez qui nós dois caísse
e o céu furado
arriasse
e as virge tôdas fugisse!!!
Brasil Caboco
O qui é Brasí Caboco?
É
um Brasi diferente
do Brasí das capitá.
É um Brasi brasilêro,
sem
mistura de instrangero,
um Brasi nacioná!
É o Brasi qui não
veste
liforme de gazimira,
camisa de peito duro,
com butuadura de
ouro...
Brasi caboco só veste,
camisa grossa de lista,
carça de brim da
"polista"
gibão e chapéu de coro!
Brasi caboco num come
assentado
nos banquete,
misturado cum os home
de casaca e anelão...
Brasi caboco
só come
o bode seco, o feijão,
e as veiz uma panelada,
um pirão de
carne verde,
nos dias da inleição
quando vai servi de iscada
prus home
de posição.
Brasi caboco num sabe
falá ingrês nem francês,
munto
meno o português
qui os outros fala imprestado...
Brasi caboco num
inscreve;
munto má assina o nome
pra votar pru mode os home
Sê gunverno
e diputado
Mas porém. Brasi caboco,
é um Brasi brasileiro,
sem
mistura de instrangero
Um Brasi nacioná!
É o Brasi sertanejo
dos
coco, das imbolada,
dos samba, dos vialejo,
zabumba e caracaxá!
É o
Brasi das vaquejada,
do aboio dos vaquero,
do arranco das boiada
nos
fechado ou tabulero!
É o Brasi das caboca
qui tem os óio
feiticero,
qui tem a boca incarnada,
como fruta de cardoro
quando ela
nasce alejada!
É o Brasi das promessa
nas noite de São João!
dos
carro de boi cantano
pela boca dos cocão.
É o Brasi das caboca
qui
cum sabença gunverna,
vinte e cinco pá-de-birro
cum a munfada entre as
perna!
Brasi das briga de galo!
do jogo de "sôco-tôco"!
É o Brasi
dos caboco
amansadô de cavalo!
É o Brasi dos cantadô,
desses caboco
afamado,
qui nos verso improvisado,
sirrindo, cantáro o amô;
cantando
choraro as mágua:
Brasi de Pelino Guedes,
de Inácio da Catingueira,
de
Umbelino do Texera
e Romano de Mãe-d'água!
É o Brasi das
caboca,
qui de noite se dibruça,
machucando o peito virge
no batente
das jinela...
Vendo, os caboco pachola
qui geme, chora e soluça
nas
cordas de uma viola,
ruendo paxão pru ela!
É esse o Brasi
caboco.
Um Brasi bem brasilero,
sem mistura de instrangêro
Um Brasía
nacioná!
Brasi, qui foi, eu tô certo
argum dia discuberto,
pru Pêdo
Arves Cabrá.
A
Cacimba
Tá vendo aquela cacimba
lá na bêra do riacho,
im
riba da ribanceira,
qui fica, assim, pru dibáxo
de um pé de
tamarinêra.
Pois, um magóte de môça
quage toda manhanzinha,
foima,
assim, aquela tuia,
na bêra da cacimbinha
prá tumar banho de
cuia.
Eu não sei pru quê razão,
as águas dessa nacente,
as águas
que ali se vê,
tem um gosto diferente
das cacimbas de bêbê...
As
águas da cacimbinha
tem um gôsto mais mió.
Nem sargada, nem
insôça...
Tem um gostim do suó
do suvaco déssas môça...
Quando eu
vejo éssa cacimba,
qui inspio a minha cara
e a cara torno a
inspiá,
naquelas águas quiláras,
Pego logo a desejá...
... Desejo,
prá quê negá?
Desejo ser um caçote,
cum dois óio dêsse tamanho
Prá ver
aquele magóte
de môça tumando banho!
Confissão de Cabôco
Seu duotô, sou
criminoso.
Sou criminoso de morte.
Tou aqui pra mim intregá.
Voimicê
fique sabendo:
- Quando a muié traz a sorte
De atraiçoá o isposo
Só
presta para se matá.
Nunca pensei, seu doutô
Qui a mão nêga do
distino,
Merguiasse as minhas mão
No sangue dos assarcino!
Vô li
pidí um favô
Ante de vossamercê
Mim butá daqui pra fora:
- É a licença
do doutô
Pr'eu li contá minha histora.
Sinhô dotô delegado,
Digo a
vossa sinhuria
Qui inté onte fui casado
Cum a muié qui im vida
Se chamô
ROSA MARIA.
Faz dez mês qui se gostemo,
Faz oito qui fumo noivo
Faz
sete qui nós casêmo.
Nós casêmo e nós vivia
Cuma pobre, é
verdade,
Mas a gente se sentia
Rico de filicidade!
Pras banda qui
nós morava,
No lugá Chã da Cutia,
Morava tombém um cabra
Chamado Chico
Faria.
Esse cabra, antigamente,
Tinha gostado de Rosa,
Chegaro,
inté a sê noivo,
Mas num fizero a "introza"
Do casamento, prumode
Mané
Uréia de bode,
Qui era padrim de Maria
Tê dismanchado essa
prosa.
Entoce, o Chico Faria,
Adispois qui nós casêmo,
In cunversa,
as vez dizia,
Qui ainda mi dava fim
Pra se casá cum Maria.
Dessa
coisa eu sabia,
Mas nunca dei importança.
Tinha toda cunfiança
Na
muié qui eu tanto amava,
Ou mais mió, adorava...
Cum toda a minha
sustança!
Dispois disso, o meu custume
Era vivê trabaiando
Sem da
muié tê ciume.
A muié pru sua vez
Nunca me deu cabimento
Deu pensá
qui ela fizesse
Um dia um farcejamento.
Mas, seu doutô, tome
tento
No resto da minha histora,
Qui o ruim chegô agora:
Se não me
farta a mimora,
Já faz assim uns três mêis,
Qui o cabra, Chico
Faria,
Todo prosa, todo ancho,
Quage sempre, mais das vêz,
Avistava o
meu rancho.
Puralí, discunfiado
Como quem qué e não qué,
Eu fui
vendo qui o marvado
Tentava a minha muié.
Ou tentação ou engano,
Eu
fui vendo a coisa feia!
Pru derradêro eu já tava
C'a mosca detrás da
uréia.
Os tempo foi se passando
E o meu arriceiamento
Cada vez ia
omentano.
Seu dotô, vá iscutano:
Onte, já de tardezinha
O meu
cumpade, Quinca Arruda,
Mi chamô pra nós dança
Num samba - lá na
Varginha,
Na casa do mestre Duda.
Mestre Duda é um cabôco,
Um
tocado de premêra.
É o imboladô de côco
Mió daquela rebêra.
Entonce
Rosa Maria,
Sempre gostou de samba,
Mas, porém, de tardezinha
Me disse
discunfiada,
Qui pru samba ela não ia,
Qui tava munto
infadada,
Percisava se deita...
Eu fiquei discunfiado
Cum a
preposta da muié!
Dispois qui tomei café,
Cuage puro sem
mistura,
Cum a faca na cintura
Fui pru samba, fui sambá.
Cheguei no
samba, dotô.
Repare agora, o sinhô,
Quem era qui tava lá?
O cabra
Chico Faria.
Qui quano foi me avistando,
Foi logo mi preguntando:
-
Cadê siá dona Maria,
Num veio não, pra dançá?
- Não sinhô. Ficô im
casa.
Pru cabôco arrispondí.
Senti, entonce uma brasa
Queimano meu
coração,
Nunca mais pude tirá
As palavra desse cabra
Da minha
maginação.
Perdí o gosto da festa
E dançá num pude não.
O
cabra, pru sua vez
Num dançava, seu doutô.
De vez im quando me oiva
Cum
um oiá de traidô.
Meia noite, mais ou meno,
Se dispidino do
povo
Disse: - Adeus, qui eu já vô.
Quando ele se arritirô,
Eu
tombem me arritirei
Atraiz dele, sim sinhô.
Ele na frente, eu
atrais.
Se o cabra andava ligêro,
Eu andava munto mais!
Noite
iscura qui nem breu!
Nem eu avistava o cabra,
Nem o cabra via
eu!
Sempre andando, sempre andando.
Ele na frente, eu
atrais.
Já nem se iscutava mais
A voz do fole tocando
Na casa do
mestre Duda!
A noite tava mais preta
Qui a cunciênça de
Judá!
Sempre andando, sempre andando.
Eu fui vendo, seu doutô,
Qui
o marvado ia tumando
Direção da minha casa!
Minha casa!... Sim
sinhô!
Já pertinho, no terrero
Eu mim iscundí pru detraiz
De um pé
de trapiazêro.
Abaixadim, iscundido,
Prendi a suspiração,
Abri os
óio, os ouvido,
Pra mió vê e ouvi
Qua era a sua intenção.
Seu
doutô, repare bem:
O cabra oiando pra traiz,
Do mermo jeito, qui
faiz
Um ladrão pra vê arguém,
Num tendo visto ninguém,
Na minha porta
bateu!
De lá de dentro uma voiz
Bem baixim arrispondeu...
Ele
entonce, cá de fora:
- Quem ta bateno sou eu!
De repente abriu-se
a porta!
Aí seu doutô, nessa hora
A isperança tava morta,
Tava
morto o meu amô...
No iscuro uma voiz falô:
- Taqui, seu Chico,
essa carta,
Qui a tempo tinha iscrivido
Pra mandá pra voismicê.
Pru
favô num leia agora,
Vá simbora, vá simbora,
Qui quando chegá im
casa
Tem munto tempo pra lê.
Quando minhas oiça ouviu,
As palavra
qui Maria
Dizia pru disgraçado,
Eu fiquei amalucado,
Fiquei quage cuma
loco,
Ou mio, cumo um cabôco
Quando ta chêi de isprito!
Dum sarto,
cumo um cabrito,
Eu tava nos pés do cabra
E sem querer dei um
grito:
- Miserave! E arrastei
Minha faca da cintura.
Naquela
hora dotô,
Eu vi o Chico Faria,
Na bêra da sipurtura!
Mas o cabra
têve sorte.
Sempre nessas circunstança
Os home foge da
morte.
Correu o cabra, dotô
Tão vexado, qui dêxou
A carta caí no
chão!
Dei de garra do papé,
O portadô da traição!
Machuquei nas
minha mão,
A honra, douto, a honra
Daquela farsa muié!
Dispois
oiando pra carta
Tive pena, pode crer,
De num tê prindido a lê.
Nas
letra alí iscrivida
O qui dizia Maria
Pru marvado traidô.
Tive
pena, sim sinhô.
Mas, qui haverá de fazê
Se eu nunca prindí a
lê?
Maria mi atraiçuô!
Essa muié qui um dia,
Juêiada nos pé do
artá
Jurou im nome de Deus
Qui inquanto tivesse vida,
Haverá de mim
honrá
E mim amá cum todo amo.
Cum perdão do seu doutô.
Quando
eu vi a miserave
Na iscurideza da noite
Dos meu oio se iscondê
Sem dêxá
nem sombra inté
Entrei pra dentro de casa
Pra mi vingá da
muié.
Douto, qui hora minguada!
Maria tava ajuêiada,
Chorando, cum
as mão posta
Cumo quem faz oração.
Oiando pra eu pedia,
Pelo cali, pela
osta,
Pru Jesus crucificado,
Pelo amo qui eu li amava
Qui num fizesse
isso não.
Eu tava, doutô, eu tava
Cego de raiva e paixão.
Sem
dizê uma palavra,
Agarrei nas suas mão,
Levantei ela pra riba
E
interrei inté o cabo,
O ferro da parnaíba
Pru riba do
coração!
Sarvei a honra, doutô,
Sarvei a honra, apois
não!
Dispois qui vi a Maria
Caí sem vida no chão,
Vim fala cum
vosmicê,
Vim cunfessá o meu crime
E mim intregá as prisão.
Se o
sinhô num acredita
Se eu sô criminoso ou não,
Tá aqui a faca
assarcina
E o sangue nas minhas mão.
Cumo prova da traição,
Tá aqui
a carta, doutô.
Li peço um grande favô:
Ante de
vossa-sinhuria
Mi mandá lá para prisão
Me lêia aqui essa carta
Pr'eu
sabê cumo Maria
Perparava essa trição!
A Carta
"Seu Chico:
Chã da
Cutia.
Digo a vossa senhoria
Que só lhe escrevo essa carta
Pru
senhor ficar sabendo
Que eu não sou a mulher
Que o senhor tá
entendendo.
Se o senhor continuar
Com os seus disbiques atrevidos
O
jeito que tem é contar
Tudo, tudo a meu marido.
O senhor fique
sabendo
Que com seu discaramento,
Não faz nunca eu quebrar
O sagrado
juramento
Que eu jurei nos pés do altar,
No dia do casamento.
Se o
senhor é inxirido,
Encontrou u'a mulher forte,
O nome do meu marido
Eu
honro até minha morte!
Sou de vossa senhoria,
Sua
criada.
MARIA."
- Doutô! Doutô mi arresponda
O qui é qui eu tô
ouvindo?
Vosmicê leu a carta,
Ou num leu, ta mi inludindo?
- Doutô!
Meu Deus! Seu doutô,
Maria tava inucente?
Me arresponda pru
favo!
Inocente! Sim, senhor!
Matei Maria inucente!
Pru que,
seu doutô, pru que?
Matei Maria somente
Pruque num aprendi a
lê!
Infiliz de quem num leu
Uma carta de ABC.
Magine agora o
doutô,
Quanto é grande o meu sofrê!
Sou duas veiz criminoso,
Qui
castigo, seu doutô!
Qui mizera! Qui horrô!
Qui crime num sabê
lê!