Nelson Gonçalves, gaúcho, criado em São Paulo por pais analfabetos,
tinha o nome de batismo de Antônio Gonçalves e não Antônio Gonçalves
Nobre como está no filme que acabou de passar nos cinemas. Gravou pela
primeira vez, em 1941, um samba de Ataulfo Alves, e atravessou toda a
década de 40 na aba de Orlando Silva, a quem imitava descaradamente no
timbre aveludado e até nos solucinhos maneirosos. Orlando, depois de
uma aparição espetacular em 1935, começou a definhar artisticamente em
1942 - e aí Nelson colou junto. Filme, livro e todos os pesquisadores
concordam: de 1952, quando começou a gravar Adelino Moreira e o destino
levou Chico Alves, até 1957, quando caiu de nariz nas drogas, Nelson
Gonçalves, já com sonoridade própria, foi o maior cantor do Brasil.
Mesmo que Marco Aurélio Barroso desmonte a lenda de que a cantora Betty
White tenha botado fogo às vestes e se suicidado por amor a Nelson (ela
na verdade morreu num acidente doméstico com álcool). Mesmo que não
seja espanhola mas cubana a vedete namorada Nina Montez, e mesmo que o
cantor não tenha tentado matá-la a facadas como diz a lenda, mas com
balas de revólver como quer o livro - uma biografia de Nelson sempre
terá histórias incríveis para contar. Entre 1959 e 1964, manteve oito
cavalos no Jóquei Clube, que correram 138 provas e venceram... 6.
Nelson participava de jogos de dados viciados - era ele quem levava os
dados.
Prótese peniana - A biografia de Marco Aurélio, premiada pela
Biblioteca Nacional, vai às minúcias no registro de todos esses
qüiproquós e, num estilo romanceado, passa com rapidez do palco
auditório da Rádio Nacional para a delegacia de Copacabana, onde agora
o cantor dá nova entrada por tentar jogar da janela uma de suas
namoradas, Maria Luíza. Há dezenas de personagens famosos vistos não
exatamente da mesma maneira que apareciam na Revista do Rádio. O
compositor Jorge de Castro, parceiro de Wilson Batista na clássica
Dolores Sierra, tem registrado seu verdadeiro papel na música popular
brasileira - era agiota, vulgo Judeu Negro, e saía dele o dinheiro para
que Wilson e Nelson comprassem cocaína.
As letras de verbo forte do português Adelino Moreira - A volta do
boêmio, Meu vício é você, Mariposa, Doidivana - ajudaram a cimentar o
perfil de um machão com um lado luminoso (18 filmes, 60 milhões de
discos vendidos segundo o filme, 26 milhões pelo livro) e outro
pavorosamente sombrio (uma de suas idas à delegacia foi por causa do
estupro de uma fã). Em 1966, Nelson, preso por tráfico de cocaína,
cruza com o cascateiro-mor da imprensa nacional, David Nasser - que se
encarrega de misturar ainda mais o pó do que é verdade e do que é
mentira em volta desse boêmio.
''Nelson foi um homem em eterna busca do equilíbrio e por incrível que
pareça só conseguia isso com as drogas, o jogo e a troca constante de
mulheres'', observa Marco Aurélio, que encerra a biografia com a morte
do cantor, de infarto do miocárdio, aos 78 anos, em 18 de abril de
1998. Tinha oito filhos e uma prótese peniana em constante estado de
ereção, com que gostava de assustar os amigos ao abraçá-los. Antes do
ponto final, Marco Aurélio destruiu uma última lenda. Nelson não era
gago. Era o contrário. Taquilálico. Falava rápido demais.