Nunca será de mais insistir
no carácter arbitrário da antiga oposição entre arte e a filosofia. Se
quisermos interpretá-la num sentido muito preciso, é certamente falsa.
Se quisermos simplesmente significar que essas duas disciplinas têm,
cada uma delas, o seu clima particular, isso é verdade sem dúvida, mas
muito vago. A única argumentação aceitável residia na contradição
levantada entre o filósofo fechado no meio do seu sistema e o
artista colocado diante da sua obra. Mas isto era válido para uma certa
forma de arte e de filosofia, que aqui consideramos secundária. A ideia
de uma arte separada do seu criador não está somente fora de moda. É
falsa. Por oposição ao artista, dizem-nos que nunca nenhum filósofo fez
vários sistemas.
Mas isto é verdade, na própria medida em que nunca nenhum artista
exprimiu mais de uma só coisa sob rostos diferentes. A perfeição
instantânea da arte, a necessidade da sua renovação, só é verdade por
preconceito. Porque a obra de arte também é uma construção, e todos
sabem como os grandes criadores podem ser monótonos. O artista, tal como
o pensador, empenha-se e faz-se na sua obra. Essa osmose levanta o mais
importante dos problemas estéticos. Além disso, nada é mais vão que
essas distinções, segundo os métodos e os objectos, para quem se
persuade da unidade de finalidade do espírito. Não há fronteiras entre
as disciplinas que o homem se propõe, para compreender e amar.
Interpenetram-se e confunde-as a mesma angustia.
Albert Camus, in "O Mito de Sísifo"
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